A SOLIDÃO




A SOLIDÃO

Entre todos os sentimentos o mais angustiante. Perturbador e assustador. 

Para mascarar a sua natureza, inventámos uma dicotomia singular: estar só não é estar sozinho. E vice-versa.

Pois não. O sentido das palavras permite tudo. 

Mas falo daquela solidão que dói; desesperançada. A que em qualquer momento da viagem da vida que juntos empreendemos nos colhe, a meio de um percurso sem portos, a solidão que é tempestade, fraga e abismo sob o casco do navio que sou. 

O destino sempre à espreita com dentes afiados.

A solidão da velhice, quando todos os amigos e todos os amores já se foram. A solidão do amante rejeitado, incapaz de vislumbrar luz para lá da sua alma sofredora. A solidão do soldado na batalha momentos antes da chegada da bala com o seu nome inscrito.

A solidão dos ambiciosos cuja ambição é sem limites. Dos vaidosos solitários. A solidão da mãe que arruma o quarto do filho que já morreu (“pedaço de mim”, Simone). 

A solidão do egoísmo extremo. Sós e nus quando nascemos, nus sozinhos na mortalha. 

E, contudo, por vezes, um privilégio. A oportunidade de nos reinventarmos, reequacionar o modo como vemos os outros, reaprender a relacionar-nos, redescobrir a empatia – voltar a viver.

Não sei. É um sentimento sobre o qual tenho dificuldade em escrever. E por isso, para rematar este texto, pedi ajuda a amigos, da escrita, da leitura, da vida.

“Estás só. Ninguém o sabe – diz-se que a solidão torna a vida um deserto – como estou só no mundo!, como tudo é lágrima e silêncio – por esta solidão que não consente, nem do sol nem do mundo a claridade (Ricardo Reis-António Feijó-Pascoaes-Bocage)

Nascemos todos sozinhos - ninguém aprende, ninguém aspira, ninguém ensina… a suportar a solidão – abrem-se as portas d’ouro com fragor… mas dentro encontro só, cheio de dor, silêncio e escuridão… e nada mais – vejo-me triste, abandonada e só /bem como um cão sem dono e que o procura / mais pobre e desprezada do que Job  (Alguém-Nietzsche-Antero de Quental-Florbela Espanca)

A solidão é o preço a pagar pelo privilégio de ter um espírito independente – é a incapacidade de comunicar as profundezas do vosso coração a outro – ser solitário é ser incompreendido - ó solidão, oh, como eu adoro a solidão (Thomas Mann-Elisabeth Kübler Ross-Camus-Saint-Amant)

Solidão, não te mereço / pois que te consumo em vão / sabendo-te embora o preço / calco teu ouro no chão – quem sabe viver com a sua alma nunca se encontra só – a solidão é uma pausa, um momento de reflexão, uma hipótese de nos reencontramos – todas as coisas grandes e preciosas são solitárias (Drumond de Andrade-Feijó-Alguém-Steinbeck)

(da série sentimentos: 1. Inveja, 2. Amizade, 3. Solidão)

Paulo Sande

Comentários

  1. [10/06, 13:02] João Saltão: Ao sentirmo-nos cada vez mais confortáveis dentro do no nosso mundo pessoal, ambiental e social, fazêmo-lo porque a envolvente politica e social tornou-se hostil, inestética, extramada nas causas.
    As chamadas elites politicas (puta que os pariu, são elites não porque sejam biografados, mas porque bajularam nas jotas e nos oportunismos do sistema e da corrupção), dão-nos repulsa e asco.
    [10/06, 13:07] João Saltão: Parece que já assumi na minha cabeça um certo ermetismo social, que me dá conforto na minha "little bubble", com os poucos que à minha volta me dão muito alento nos afectos e nas ideias discutidas, à mesa das fritadas de peixe, com arroz de tomate, regadas com os brancos gelados, lá na base do farol, onde naturalmente cabes como irmão da confraria.

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