A EMBRULHADA DO CABO MONDEGO


















No final de Dezembro de 2018, o Diário “As Beiras” noticiava que a estrada panorâmica em terra-batida que liga o Cabo Mondego e a Murtinheira, iria ser requalificada.
Esta via, conhecida como a estrada do “enforca cães”, contorna o Cabo Mondego e a Serra da Boa Viagem, tendo o mar como cenário de fundo, constituindo um cenário natural de rara beleza.
Todos sabemos que a tranquilidade e a beleza natural das praias de Quiaios e da Murtinheira, no sopé da belíssima serra da Boa Viagem, contrasta com as praias urbanas da Figueira da Foz, bastante descaracterizadas por razões bem conhecidas que não iremos aqui abordar.
Apesar de se situarem a escassos quilómetros da núcleo urbano de Buarcos e da Figueira, o certo é que o acesso àquelas praias de elevado potencial turístico, é bastante deficiente, seja o que é feito pela EN 109, seja através das estradas florestais do interior da serra, via Quiaios, ou mesmo pelo caminho rudimentar que existe nos contrafortes da serra junto ao mar.
Soube-se há poucos dias que a obra está inscrita no orçamento da câmara para 2019, e será uma das empreitadas mais importantes que a autarquia pretende lançar no próximo ano.
Lembro-me que em Março de 2018, salvo erro, a vereação municipal do PSD (ou parte dela?), apresentou uma proposta onde se pretendia transformar a referida estrada numa via simultaneamente rodoviária, pedonal e clicável.
Na altura o Diário As Beiras também noticiou que o executivo, perante aquela proposta argumentou que, para já não havia condições para executar a obra.
O referido jornal referia também que “a disputa da propriedade opõe o Estado e a Cimpor nos tribunais”. Em bom rigor, e para que se saiba, a Cimpor em 2012 foi vendida à multinacional Intercement Austria, subsidiária do grupo brasileiro Camargo Corrêa, tendo passado acerca de três meses para o grupo turco Oyak Cement.
Acontece que um executivo municipal diligente, já teria feito há muito tempo o respectivo “lobbing” junto do Governo e das Administrações Centrais, no sentido de arranjar uma solução, mesmo que transitória, para aquele território, enquanto decorre a acção judicial que opõe a cimenteira ao Estado Português, em consequência duma concessão estatal do passado que, já prescreveu por inactividade da extracção de inertes e da produção fabril.
O certo é que depois de tantos anos decorridos desde o fim da actividade industrial, aquele monumento natural ímpar, que constitui um dos activos mais diferenciadores da Figueira, continua a não poder ser fruído, impedindo o desenvolvimento do enorme potencial eco turístico ali existente.
 A título de (bom) exemplo:
Há meia dúzia de anos quem é que em Portugal e no estrangeiro conhecia o concelho de Arouca no distrito de Aveiro?
Daí para cá, aquele concelho foi inscrito no mapa dos roteiros de eco-turismo mundial, com a constituição do Arouca Geopark, caracterizado pelo seu excepcional património geológico de relevância internacional, reconhecido pela UNESCO como património geológico da humanidade.

Porquê?
Porque em 2013 a Câmara Municipal de Arouca, dotada de visão, oportunidade e competência, estudou e bem, os dossiers de financiamento comunitário, identificou os recursos humanos, técnicos e financeiros adequados para a construção de um excelente equipamento destinado à fruição daquele extraordinário património natural, ou seja os famosos “Passadiços do Paiva”, que já tive o gosto de percorrer, à semelhança de centenas e centenas de milhares de nacionais e estrangeiros.
Inaugurados em 2015, os Passadiços do Paiva em Arouca, foram já premiados com um galardão da World Travel Awards (considerados os Óscares do Turismo a nível mundial), na categoria de Projeto de Desenvolvimento Turístico Líder na Europa.
Os encargos da Câmara Municipal de Arouca com esta obra, representaram um investimento de 1,8 milhões de euros, dos quais 85% financiados por fundos comunitários. Ou seja, mais ou menos o que a Câmara Municipal da Figueira da Foz gastou (digo gastou e não investiu com visão sustentada), na construção de passadiços e ciclovias no areal da praia urbana, de fruição e atractividade turística discutíveis para não dizer desnecessárias e/ou prioritárias para o desenvolvimento da cidade.








Infelizmente os sucessivos executivos camarários da Figueira da Foz, não têm apresentado nem executado Projectos turísticos diferenciadores como este, para além da eterna promessa do anterior e actual executivo, de anunciar a preparação do dossier de candidatura do Cabo Mondego a Geoparque da Unesco, que tarda em ver a luz do dia.  
E heis que, depois de há uns meses, o sr. Presidente de Câmara ter referido que “não havia condições para executar a obra (provisória) de requalificação da estrada do “enforca cães”, veio agora anunciar que a inscreveu no orçamento de 2019.
Então pelos vistos a Câmara Municipal, de um momento para outro, já reúne as condições jurídico-administrativas que permitirão a intervenção referida, designadamente a requalificação da estrada de terra batida e a construção de uma ciclovia?
O que é que mudou em relação à embrulhada jurídico-administrativa, decorrente da acção judicial apresentada pela cimenteira sucessora da Cimpor ao Estado Português, visando a detenção de facto e de direito, do território de domínio público onde (ainda) está instalada a fábrica, bem como a zona de exploração de pedreiras?
Será que o Sr. Presidente da Câmara detém mais alguma informação sobre o improcedimento daquela acção pelo respectivo tribunal, bem como o resultado do recurso interposto pela cimenteira?

A Câmara tem conhecimento de algum acórdão do Tribunal da Relação sobre este processo, que lhe permita intervir agora no território?
Ora como não sou jurista, bem como a maior parte dos munícipes, gostaríamos que a Câmara esclarecesse melhor o que se passa, por forma a que todos saibamos em que termos é que se pretende intervir numa das riquezas mais diferenciadoras do nosso património natural.
João Saltão

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