Apesar da dimensão algo exagerada e escandalosa da endogamia, compadrio e amiguismo deste governo em relação às nomeações familiares e/ou de proximidade, semelhante prática já foi iniciada há muito, desde os governos de Cavaco Silva, embora em muito menor escala, tendo-se tornado prática corrente até aos dias de hoje.
O problema é grave. Emergiu uns anos depois de Abril de 74 e, a meu ver, constitui uma questão de fundo própria do típico compadrio português, que reside no seguinte:
Desde os anos 80 do sec. passado, as leis orgânicas do Governo e dos Ministérios, passaram a contemplar a possibilidade de os respectivos titulares poderem recrutar (leia-se, escolher a dedo) para os seus gabinetes, um conjunto alargado de chefes, adjuntos e assessores, sem mais critérios para além da respectiva publicação da nomeação em DR, com uma breve e irrelevante nota curricular, que ninguém escrutina.
Por outro lado, as Leis Orgânicas dos organismos tutelados (Direcções Gerais, Institutos Públicos, e demais estruturas de missão da administração directa e indirecta do Estado), são dotadas de lugares de chefia de topo e intermédia, para além de um vasto leque de quadros superiores especializados (juristas, engenheiros, economistas, gestores, etc.), com experiência/competências qualificadas e avaliadas e, por regra, conhecedores dos dossiers técnicos das áreas que administram.
Segundo a lei, aqueles cargos da Administração Pública, são providos e bem, através de procedimentos concursais, designadamente o CRESAP (recrutamento de dirigentes de topo da AP), mecanismo de selecção do que se pretendia transparente e sério e que acabou desvirtuado na sua essência, por ser o membro do governo da tutela a escolher um candidato de entre os três seleccionados.
Por regra os ministros e secretários de estado, bem como o batalhão de assessores e adjuntos (geralmente jovens, amigos, conhecidos e com percursos político-partidários), nem sempre (re)conhecem, respeitam e valorizam o trabalho do pessoal das Administrações Públicas, talvez por insegurança e não confiança pessoal e/ou política (falo e escrevo por experiência própria), acabando por circunscrever o trabalho técnico e/ou político aos seus assessores chegados, a maior parte das vezes, desconhecedores dos dossiers.
Então, em lugar de se recrutaram para os gabinetes centenas de amigos, familiares, conhecidos e filiados no partido do governo em funções, com todos os encargos que daí advém, deveriam os governantes consultar e/ou afectar pessoal da Administração Pública, que sempre os houve e bons, para apoiar técnicamente a decisão política, em vez de pagarem milhões em vencimentos, abonos, viagens, viaturas e demais mordomias, que desnecessáriamente sobrecarregam o erário público, que suportamos com os nossos impostos.
Não sendo o melhor exemplo, investiguei e concluí que os ministros e secretários de Estado dos primeiros governos da democracia, bem como os de Salazar e Caetano, em regra, não detinham assessores técnicos e políticos nos gabinetes, trabalhando e despachando directamente com os Directores Gerais e Directores dos Serviços tutelados, os quais dominavam bem os dossiers da respectiva área da administração. Pese embora as diferenças de conjuntura, era assim que deveria ser em democracia. Poupava-se no erário público, prevenia-se o nepotismo e ganhava-se na qualidade da governação, na trasparência e na ética política.
João Saltão
Comentários
Enviar um comentário