Se fosse viva, Natália Correia faria hoje 90 anos. Quem a conheceu nos anos 1940-50, garante que era a mulher mais bela de Lisboa. Natural dos Açores — «Eu sou dos Açores [...] naquilo que tenho de basalto e flores...» —, Natália veio para Lisboa aos 11 anos, frequentar o Liceu D. Filipa de Lencastre. Casou quatro vezes: em 1942, com Álvaro dos Santos Dias Pereira; em 1949, com o americano William C. Hylen, que a levou para Nova Iorque; em 1950, com Alfredo Machado; e, em 1990, com Dórdio Guimarães. Opositora declarada da ditadura, deu a cara e o verbo pelo combate anti-gonçalvista. Na sua casa da rua Rodrigues Sampaio (n.º 52, 5.º), onde viveu entre 1953 e o dia da sua morte (a 16 de Março de 1993), Natália manteve um salão literário por onde passou toda a intelligentsia nacional, mas também Henri Michaux, Eugène Ionesco, Marguerite Yourcenar, Claude Roy, Graham Greene, Henry Miller, Ievgueni Ievtuchenko, Susan Sontag e outros. Foi ali que Sartre foi representado pela primeira vez em Portugal. Duas grandes escritoras portuguesas nunca lhe perdoaram esses serões. A organização da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (1966), proibida pela censura, levou-a a Tribunal Plenário: «Senhores juízes sou um poeta / um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento / ao contrário do esqueleto [...]» Condenada a três anos de pena suspensa.
Em 1971, abriu com Isabel Meyrelles o bar-restaurante Botequim, frequentado por intelectuais da oposição e alguns militares do futuro MFA. Cesariny, Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira, Melo Antunes, Francisco Sá Carneiro e Snu Abecaqssis eramhabitués. (Anos mais tarde, Helena Roseta tornou-se co-proprietária.) Dirigiu duas editoras: Estúdios Cor e Arcádia. Os anos da Arcádia foram marcados por duas edições polémicas:Novas Cartas Portuguesas (1972), de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa; e Portugal e o Futuro(1974), do general Spínola, o livro que deu o tiro de partida para o 25 de Abril. Natália foi pessoalmente a Bissau buscar o manuscrito. Foi directora da revista Vida Mundial e do jornalSéculo Hoje. Viajou muito. Foi deputada do PPD/PSD (1979-87) a convite de Sá Carneiro, e do PRD (1987-91) a convite de Eanes. Em 1991, Soares fez dela Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Autora do Hino dos Açores, deixou uma obra vastíssima. A bibliografia principal inclui quinze livros de poesia, publicados entre 1947 e 1990; sete peças de teatro, todas representadas, entre elas O Encoberto (1969); três romances, sendo A Madona (1968) o mais aclamado; dezenas de ensaios, dos quais destaco Uma Estátua para Herodes (1974); narrativas de viagem; um diário; antologias de poesia galaico-portuguesa, trovadoresca, barroca e surrealista; um livro infantil; traduções de Ovídio, etc. Em poesia, os meus títulos dilectos são O Vinho e a Lira (1969), A Mosca Iluminada (1972) e O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (1973). Com Sonetos Românticos (1990) ganhou o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. A obra poética completa, incluindo inéditos, está reunida nos dois volumes de O Sol nas Noites e o Luar nos Dias (1993).
Jorge de Sena fez uma síntese maldosa da sua personalidade: «um poeta que se impôs pessoalmente e às suas atitudes, na vida literária portuguesa [...] pela forma como soube transformar o escândalo numa espécie de terror sagrado do provincianismo embevecido.» Natália foi de facto uma mulher excessiva, e sempre a intelligentsia ortodoxa lhe torceu o nariz. Obediente, a imprensa cultural assobia para o lado.
Etiquetas: In Memoriam, Natália Correia
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