Há dias, ao visitar o blogue do João Gonçalves - Portugal dos Pequeninos em http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2010/07/40-anos-sem-salazar_27.html, propus a um grande amigo a leitura de alguns textos alusivos ao Estado Novo e a Salazar, do que resultou uma breve troca de e-mails que aqui publico.
Olá Nuno
Envio endereço do blog do João Gonçalves, realçando o post sobre o poema "cansaço" que só podia ter sido cantado por Amália e mais ninguém.
http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2010/07/patrimonio-imaterial.html
Se tiveres tempo e paciência, faz uma leitura dos "posts" sobre Salazar, para podermos melhor fundamentar as abordagens que ontem fizemos ao jantar, sendo que aqui o teu amigo, não fazendo apologia do "anciene regime", gosta de reflectir sobre aquele período da nossa história recente, à luz das diversas leituras sócio-políticas quer dos pensadores do "stablichement", quer de outras leituras mais heterodoxas.
Abraço
João
Caro amigo
Vou ler com muita atenção o texto que veementemente referiste ontem.
Não fazendo nenhum de nós a apologia do fascismo, a reflexão sobre o mesmo é interessante – e, concordo, que algumas coisas foram bem feitas. No entanto, “pondo em perspectiva”, sobretudo no contexto europeu, não consigo encontrar motivos de exaltação no facto de termos sido durante aqueles anos (e ainda hoje?) o império decadente, atrasado, fechado e desrespeitador dos direitos humanos como fomos durante 40 anos (ou direi séculos?).
Tenho para mim (preciso de algumas verdades incontestáveis – nem tudo pode ser sujeito ao relativismo na vida de um homem), que o que os regimes fascistas provocaram na Europa do séc. XX, foram dos mais duros golpes que atingiram a sociedade ocidental. Trouxeram o que de pior na nossa raça existe: a intolerância, a ideia de superioridade da raça, a hegemonia das ideias, o silenciamento das vozes dissonantes, o desrespeito pela auto-determinação dos povos, as guerras, a fome, etc. etc., etc. Por isso, e porque sou, como tu, um democrata e acérrimo defensor do respeito dos direitos humanos, tenho alguma dificuldade em sentir simpatia, ainda que comedida por esses tempos.
Essa simpatia, a existir, no meu caso, prende-se com uma maior disciplina no planeamento das cidades, aliás, no planeamento em geral. Simpatizo também com uma sensação de que havia mais respeito, entre novos e mais velhos, entre professores e alunos, etc (embora muitas dessas manifestações fossem mais “respeitinho”, que respeito). Não consigo, à luz do contexto europeu, e com os recursos disponíveis no país, perceber grandes evoluções em Portugal.
Acho que se pode medir a inteligência de um povo pela sua capacidade de, em conjunto, e num contexto de opiniões e correntes divergentes, evoluir, prosperar, sempre na salvaguarda do interesse comum. O fascismo é a antítese disso: a ideia de poucos é imposta aos restantes, sem progresso, e na salvaguarda do interesse de poucos (leia-se Mellos, Champalimauds, Espírito Santos, Finos, etc, etc, etc). Pode-se dizer: bem, o povo é indisciplinado, é selvagem. Sou bem mais favorável à ideia de que as elites são fracas e mal preparadas.
Tenho dito meu velho,
Abraço
Olá velho
que extraordinária e espontânea a tua reacção, a qual denota uma convicção bem determinada e determinante sobre a "bondade/maldade" do que foi o Estado Novo, enquanto repercussor lúcido das ideias e das práticas de alguns regimes autocráticos que na Europa floresceram no século passado.
Congratulo-me por estar patente e bem patente nas tuas convicções, um pensamento tão bem delineado do que queres e, sobretudo do que não queres, para a tua Pátria, e para a sociedade das Nações em geral.
Subscrevo o teu pensamento em tudo o que respeita às limitações/imposições que o regime infringiu às liberdades, às políticas sociais, ao livre mercado concorrencial, bem como ao seu contributo para o empobrecimento cultural e económico do pais.
No entanto, consigo identificar algumas "virtuosidades" do regime em matéria de desenvolvimento (pontual) das colónias, designadamente na organização de novas cidades, com urbanismo e arquitectura de qualidade, assim como no fomento de alguns valores cívicos que, como dizes, confundiam por vezes o conceito de autoridade com o medo, bem português, do "respeitinho". Cheguei a sentir na pele a imposição do "respeitinho", nos idos anos 70, quando ousei entrar no pátio das raparigas da Escola Técnica, para me encontrar com uma namorada. Fui detectado e castigado pelo Director da Escola.
Acontece que, como sabes, também sou o que se pode dizer um esteta, para não dizer detentor de uma mente quase cartesiana. Por isso, e só por isso, sou tangível a algum fascínio pela organização metodológica, traduzida pela afirmação do potentado visual, subjacente às iconografias e às expressões arquitectónicas fortes, típicas dos regimes autocráticos de direita e de esquerda, que vigoraram na Europa do século XX. Trata-se tão só de uma sensibilidade estética que em consciência (não sei o que vai no meu sub-consciente), não denota qualquer endeusamento e/ou apologia do Estado Novo.
Quanto ao resto (ou seja o essencial das práxis do regime), comungo do teu pensamento quase na totalidade, embora detenha a humildade suficiente para interpretar as diversas sensibilidades e leituras (como algumas das que estão em http://portugaldospequeninos. blogspot.com/), as quais permitem completar e contextualizar em banda mais larga, o que foi o século XX português.
Disse.
Em próximas tertúlias, os potenciais intervenientes neste debate (mosqueteiros e amigos), poderão desenvolver melhor esta temática, à luz de 4 eixos principais que aqui proponho:
- O fechamento político do regime e a sua atrofia desenvolvimentista;
- As potencialidades da Educação Nacional face ao quadro herdado da 1.ª República;
- A estratificação social do Estado Novo e as emergências de um novo alpinismo social;
- A administração das cidades do território continental e ultramarino.
Abraço
João
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