Hoje, inauguro os meus escritos no blog com uma carta aberta ao prof. José Hermano Saraiva, justamente no dia do seu aniversário (03 de Setembro), apresentando-lhe aqui os meus parabens, o meu respeito e admiração.
Lisboa, 3 de Setembro, de 2007
Faz muitos anos que acompanho com regularidade a vasta e notória produção escrita e televisionada do Prof. José Hermano Saraiva, a qual denota uma grandiloquente e superior sensibilidade para entender e divulgar aspectos essenciais da história e da cultura portuguesas.
Aos homens da minha geração (tenho 52 anos) foi-lhes exigida uma enorme capacidade de adaptaçao aos chamados “ventos de mudança” que sopraram desde o Maio de 68 francês, até à inovação/deslumbramento tecnológico da contemporaneidade, passando pela revolução de Abril de 74 e por todas as implicações políticas e sócio-culturais na vida de cada um e de toda a sociedade portuguesa.
Por um lado, herdámos uma educação de valores rica em principios e práticas de preceitos sociais instituídos, e por outro ainda fomos a tempo de apanhar o comboio do desenvolvimento económico, social e tecnológico. Esta conjugação de factores deu lugar a cidadãos que conciliam experiência e competências de saber-saber, saber-ser e tambem de saber-fazer, à luz de uma responsabilidade dita “antiga”, com a capacidade para inovar segundo as novas realidades emergentes do mundo socio-laboral, consubstanciada no uso e fruição nas novas tecnologias. Ou seja, por um lado não somos suficientemente “idosos” para resistir à mudança, e por outro somos suficientemente “jovens” para não deixar de protagonizar o mundo da inovação tecnológica e dos novos desafios da modernidade.
Vem isto a propósito de algumas discussões havidas recentemente com amigos acerca do valor intrínseco (essência/personalidade/valores/convicções/carácter/determinação etc.) das pessoas no seu tempo, independentemente das conjunturas dos momentos sociais e políticos (existência/participação social e cívica/realizações sócio-profissionais, obra feita etc.), e do reconhecimento da personalidade e da obra do cidadão José Hermano Saraiva, à luz dessa dicotomia essência/existência ao longo da sua preenchida vida pública.
É minha convicção após a leitura do seu Álbum de Memórias, que o Prof. José Hermano Saraiva pelo seu conhecimento e experiência, quer da gestão da causa pública desde os idos 60, quer do humanismo subjacente à investigaçao e divulgaçao da cultura e história de Portugal ao longo do seu percurso de investigador, pedagogo e professor, mais do que ninguém, está em condições de entender e explicar como se pode construir um percurso de vida e uma obra tão profícua, suportados por duras jornadas de trabalho e perseverante afirmação das suas convicções, apesar de, algumas vezes, ter passado por processos de penosa sobrevivência e incompreensão, para não falar dessa tão vã e vil inveja portuguesa, despertada por legítimos protagonismos, que por vezes cerceiam tantos talentos que ousam pensar e agir para lá do que dita o “establishment” académico ou o politicamente correcto.
Mesmo na transição/mudança abrupta dos regimes parece que também há filhos e enteados. Um homem que dedica o seu trabalho, a sua capacidade de realização e o seu talento ao serviço da causa pública, como interventor político por vezes crítico, promovendo a investigação e divulgação da língua e cultura portuguesas dentro e fora de Portugal, contribuindo para a inovação pedagógica aplicada ao sistema de ensino, entre outros desempenhos, numa conjuntura pouco receptiva a mudanças e que, apesar de todas as vicissitudes por que passou no final do antigo regime (e no início do novo), não desistiu do sonho de enaltecer os valores da história e da cultura do seu pais, nos novos tempos (portas) que Abril abriu.
Embora o Prof. José Hermano Saraiva tenha granjeado estima e consideração de muitos milhares de portugueses, principalmente devido à sua intervenção mediática, que no conteúdo e na forma encanta todos os que se interessam pela história e cultura de Portugal, é altura da sociedade civil e/ou poderes instituídos lhe reconhecerem, com as devidas homenagens, a sua dimensão de investigador, pedagogo e homem de cultura.
A democracia e os diversos “establishment” que dela decorrem, não devem ser preconceituosos com aqueles que a seu tempo, com as suas competências e com a sua capacidade de realização, deram ao país aquilo que o regime lhes permitia que dessem, com mais ou menos talento. Nem todos tiveram a suficiente coragem, energia e iniciativa de discordar e combater o regime, como muitos fizeram à custa da sua própria liberdade e integridade. Já lhes foi feita honra e justiça, e bem, por meritoriamente terem lutado nas diversas fileiras que ajudaram a construir o Portugal democrático.
O nome do Prof. José Hermano Saraiva, pela sua obra, e pela sua longa vida de realizações em prol da história e cultura de Portugal, também deverá ser inscrito nas tábuas dos portugueses ilustres, e que o seu exemplo de perseverança e vigor sirva de alento aos que ainda almejam sonhar por uma vida com realização pessoal, numa sociedade que promova e assegure o reconhecimento do mérito e da competência.
Bem-haja por existir, por ser quem é e pela sua obra.
João Saltão
Que maravilha de carta. Muito obrigado João.
ResponderEliminar