Um dia na vida do desempregado no dia do despedimento: crónica escrita com o coração em revolta.
Hoje. Ao fundo, um homem
sai de um gabinete. O gabinete do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que
ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado. Acaba de ser despedido. É um de
um rol de muitos, um nome a mais numa lista, uma fila a menos numa folha
de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros olhos viram-se
primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá vai ele, o
mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é um
matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.
A vida já continuará, mas hoje não. “Fui eu? Foram
eles? O que fiz de errado? O que farei agora? Como vou dizer? Como vou
fazer? Quero um abraço. Não quero ver ninguém. Quero viver. Quero
morrer. Merda para isto. Respira fundo. Mas para quê? Rosna. Chora.
Põe-te de pé! Desaba… Com esta idade? Com esta idade.”
Todos os dias são um dia na vida. De quem é chamado
para sair. De quem não é chamado e fica, às vezes com mais culpa que
alívio. Ou mais raiva que tristeza. Fuma-se lá fora, conversa-se lá
dentro, recebe-se chamadas aflitas, “não, eu safei-me”. O que se faz aos
braços, esmurra-se, cruzam-se? Num jogo de cadeiras, só os que tocam
música não estão a jogar. De manhã, a empresa fora sacudida pelo
comunicado. Alguns directores são chamados para a consumação. Outros directores tiraram férias, fugindo à notícia da razia. Veio o
administrador, despedimento colectivo, reestruturação, corte de custos, a
crise.
Ontem. Dez de Junho, dizia o débil Presidente da República. “Portugueses, este ano de 2014
abre um caminho de esperança. Mas, para ter esperança no futuro, devemos
continuar a trabalhar no presente. Não podemos ficar à espera,
passivamente, que a situação se altere por si mesma.” Passivamente !!!???
O discurso político é o mesmo desde 2011. É tudo muito
difícil, é tudo sem alternativa, é preciso reformas estruturais, é
preciso um largo consenso entre partidos e que inclua também os
parceiros sociais. Tirando o não-há-alternativa, o discurso fazia
sentido em 2011 e faz sentido em 2014 e é isso que não faz sentido
nenhum.
A devastação económica e social destes três anos tinha de ter tido um propósito de regeneração que não teve. Se tivesse tido, o discurso já seria outro. Isso é o imperdoável. Esse é o falhanço. Se ainda precisamos do que precisávamos ainda estamos como estávamos. Tirando estarmos mais pobres. E mais desiguais. E mais desempregados. “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
A devastação económica e social destes três anos tinha de ter tido um propósito de regeneração que não teve. Se tivesse tido, o discurso já seria outro. Isso é o imperdoável. Esse é o falhanço. Se ainda precisamos do que precisávamos ainda estamos como estávamos. Tirando estarmos mais pobres. E mais desiguais. E mais desempregados. “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
Todos os dias são um dia na vida de alguém. Hoje foi
naquela empresa, ontem foi noutra, e tudo seria compreensível se fizesse
parte do ciclo da vida. Faz parte do ciclo da morte. O desemprego de
longa duração, o desemprego de jovens e de velhos, a redução dos apoios
sociais (flexisegurança sem segurança) não é sentido de justiça nem uma
sociedade a funcionar. É uma nação que exclui. Quem perde sai. Às vezes
até é notícia. Hoje foi. Um dia de cada vez. Um dia é de vez.
"I read the news today oh boy
About a lucky man who made the grade
And though the news was rather sad
Well I just had to laugh
I saw the photograph
He blew his mind out in a car
He didn't notice that the lights had changed
A crowd of people stood and stared
They'd seen his face before
Nobody was really sure
If he was from the House of Lords"
A Day in the Life, The Beatles
Por Pedro Guerreiro
In Expresso
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