A GRANDE MÚSICA EM TEMPOS DE INDIGNAÇÃO






























Há tempo que não me emocionava de maneira tão sentida como na situação que passo a descrever, ilustrada no final do texto por um link que remete para um vídeo disponível no youtube, e que ilustra o que se passou na Ópera de Roma, há já algum tempo.


Proponho que leiam o texto e sobretudo visionem o vídeo com a máxima atenção, o qual poderá traduzir de forma emocionante e emblemática, os sinais destes imprevisíveis tempos, quer sejam eles vividos em Itália, Espanha, Grécia, Portugal .... enfim na Europa ou em qualquer parte do mundo, onde as vozes se "alevantem" para suster a tirania das opressões da contemporaneidade.



Passo a descrever o autêntico MOMENTO DRAMÁTICO VIVIDO NA ÓPERA DE ROMA.
No dia 12 de Março de 2011, a Itália festejava os 150 anos da sua unificação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de Verdi, símbolo da unificação do país, que invoca a escravidão dos Judeus na Babilónia, uma obra não só musical mas, também, política à época em que a Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840).

Sylvio Berlusconi assistia, pessoalmente, à apresentação, que era dirigida pelo maestro Ricardo Mutti.

Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno – ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento.

Como Mutti declararia à TIME, houve, logo de início, uma ovação incomum, clima que se transformou numa atmosfera de tensão quando se iniciaram os acordes do coral «Va pensiero» o famoso hino contra a dominação.

«Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o silêncio absoluto do público, na expectativa do hino; clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo; a reação visceral do público quando o coro entoa ‘Ó minha pátria, tão bela e perdida’».

Ao terminar o hino os aplausos da platéia interrompem a ópera e o público manifestou-se com gritos de «bis», «viva Itália», «viva Verdi». Das 
galerias são lançados papéis com mensagens políticas.

Não sendo usual bisar durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito
uma vez em 1986, no teatro La Scala de Milão, o maestro hesitou pois, como ele depois disse: «não cabia um simples bis; havia de ter um propósito 
particular».

Dado que o público já havia revelado o seu sentimento patriótico, o maestro voltou-se no púlpito e encarou o público e o próprio Berlusconi.

Fazendo-se silêncio, RICCARDO MUTT pronunciou-se da seguinte forma, reagindo a um grito de «longa vida à Itália»
«........Sim, longa vida à Itália
mas ... [aplausos], já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho muita mágoa do que se passa no meu país. Portanto aquiesço ao vosso pedido de bis para o "Va Pensiero".

Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o coro que cantava "Ó meu pais, belo e perdido", eu pensava que, a continuarmos assim, mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da Itália. Neste caso, a nossa pátria, será verdadeiramente "bela e perdida" (aplausos retumbantes, incluindo os dos artistas em palco).

Reina aqui um "clima italiano": eu, Mutti, falei para surdos durante longos anos, gostaria agora....nós deveríamos dar sentido a este canto. Como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um coro que cantou magnificamente, e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos.... "A tempo"...»

Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Coro dos Escravos.
O público levantou-se. Toda a Ópera de Roma se levantou... O coro também se levantou. Foi um momento magnífico na ópera! Vê-se, também, o pranto dos artistas.

Aquela noite não foi apenas uma apresentação do Nabuco mas, sobretudo, uma declaração do teatro da capital dirigida aos políticos.

AGORA, NÃO DEIXEM DE VER E OUVIR PELO LINK ABAIXO:

http://www.youtube.com/embed/G_gmtO6JnRs

Sabemos que a "Grândola, Vila Morena" ou outra a propósito, não contem a dimensão exaltante e empolgante do Nabuco de Verdi, mas, por um destes dias poderá emergir uma vaga de fundo, que ao brotar da alma nos molhe os olhos e nos "alevante" desta apatia de uma vez por todas.

A. João Saltão

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