Currículo, competências e prática política

O Estado, através dos Governos e das Administrações que o suportam, tende inexoravelmente para se colocar nos antípodas dos modelos de desenvolvimento sustentado, pelo facto de, entre outras razões sobejamente públicas e publicadas, não aplicar aos seus potenciais decisores (leia-se membros do Governo, Altos Funcionários da Administração Pública, Gestores Públicos etc.), alguns dos princípios básicos de gestão de recursos humanos, nomeadamente ao nível da identificação de perfis de competências adequados para o exercício daqueles cargos.

Nos últimos anos, salvo honrosas excepções de indigitação e nomeação de cidadãos, que pelo seu perfil político, cultural, humanístico, técnico etc., têm contribuído para a consolidação de políticas desenvolvimentistas da governação, o certo é que, em grande parte, os critérios de afectação de indivíduos para os mais diversos cargos do poder político e administrativo do país, baseiam-se em meras relações pessoais de proximidade, justificadas pela presunção da confiança pessoal e/ou política.

Tais nomeações para os mais diversos lugares de assessoria dos Gabinetes e para os cargos da Administração Pública, não são por si só um mau princípio. Mesmo que fale mais alto o conhecimento de proximidade de quem nomeia em relação a quem é nomeado e vice-versa (leia-se amizade e/ou confiança pessoal), ou a própria “fidelidade” partidária (quando existe), afigura-se necessário que sejam consideradas as competências de saber, saber-ser e saber-fazer necessárias para o exercício de funções de serviço público.

Basta consultar o Diário da República e ler o teor de alguns Despachos de Nomeação de assessores e altos funcionários (onde é obrigatório mencionar currículo resumido do nomeado), para se constatar que, por ex.º, um jurista que apresenta como experiência profissional relevante no seu currículo, uma avença com uma pequena empresa de comercialização automóveis do interior centro, passa a ter competências para poder ser Presidente de Instituto Público, Director Geral ou mesmo governante.

Por outro lado, os serviços da Administração Pública, não obstante apresentarem preocupantes sinais de desmotivação e por consequência baixa produtividade, também integram nos seus quadros funcionários com provas dadas de qualificação e competência, que poderiam ser chamados a participar na gestão dos serviços, uma vez que a legislação em vigor só prevê formação especializada para chefias intermédias, não sendo necessária para os cargos dirigentes de topo.

Acontece que os serviços, ao se aperceberem das fragilidades do nomeado no que respeita a questões como a noção de serviço público, liderança, competência, conhecimento de dossiers, etc., nem sempre se envolvem com motivação e empenhamento, quando se apercebem da “passagem” do dirigente nomeado pelos serviços, ditada ao ritmo das idiossincrasias do nosso sistema político. Camões, na sua imensa sabedoria dizia que “chefes fracos fazem fracas as fortes gentes”.

Os nossos parceiros europeus já assumiram há muito tempo a importância das qualificações e dos perfis de competências na gestão dos recursos humanos ao nível da Administração Pública da mesma maneira que a assumem para a gestão das organizações do sector privado.

Para o desenvolvimento de Portugal é urgente uma mudança de paradigma na gestão da “coisa pública”

João Saltão.

Comentários